sábado, outubro 02, 2010

Desassossego?


Na semana em que estreou o “Filme do Desassossego” (2010) de João Botelho pareceu-me apropriado transcrever um texto retirado do Livro do Desassossego de Bernardo Soares prefaciado por espantem-se Fernando Pessoa.

E do alto da majestade de todos os sonhos, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.

Mas o contraste não me esmaga - liberta-me; e a ironia que há nele é sangue meu. O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim, é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em que me faço.

A glória nocturna de ser grande não sendo nada! A majestade sombria de esplendor desconhecido... E sinto, de repente, o sublime do monge no ermo, e do eremita no retiro, inteirado da substância do Cristo nas pedras e nas cavernas do afastamento do mundo.

E na mesa do meu quarto absurdo, reles, empregado e anónimo, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de montes altos vastos e longínquos, da minha estátua recebida por prazeres, e do anel de renúncia em meu dedo evangélico, jóia parada do meu desdém extático.