quinta-feira, maio 24, 2007

Belarmino (1964) – A personificação da Lisboa dos anos 50 e 60

Belarmino Fragoso, engraxador, boxeur, colorista de fotografias.

Na Lisboa perdida, na noite boémia dos cabarés cafés e clubes nocturnos, percorremos a vida ao lado de Belarmino. Rapaz da cidade, da Mouraria pobre, percorre os Restauradores e o Rossio, tenta ganhar dinheiro para comer uma bola de berlim e beber um copo de leite como ele diz. É um homem com uma vida difícil, foi a promessa do boxe profissional Português que como tantas outras coisas não foi. O’neil dedicou-lhe um poema em que diz mesmo isto, tinha o jeito que todos temos, mas que ficou sem murro.

Será esta personagem uma figura de estilo descritiva da nacionalidade, da doença grave, como diz Batista Bastos, que é ser Português?

Este é um filme com uma estética muito interessante, um filme que tem que, deve, ser visionado repetidas vezes para perceber a complexidade inclusa na sua simplicidade, na movimentação na fluidez de Belarmino. Fernando Lopes introduz, em conjunto com um grupo de músicos do Hot Club, uma banda sonora cuja base é o jazz e o jazz truncado com bossa nova, numa clara colagem aos sons vanguardistas da época, podendo mesmo fazer-se quase uma leitura política, uma vez que estas sonoridades eram tidas como subversivas.

Num estilo documental Lopes e a narrativa de Bastos transportam-nos para uma realidade esquecida das pessoas que têm uma vivência difícil, para as quais se tem que aguentar mais um pouco para conseguir transpor o dia. Belarmino dizia, numa tentativa de esquiva ou numa visão frontal e prática que fome nunca tinha passado, que fome de três dias não é fome, que às vezes apetecia-lhe almoçar ou jantar e não podia, mas que isso não é fome. Há em Belarmino uma certa incoerência e uma pureza quase ingénua que nos faz torcer por ele, tornando-se no herói. Herói que quase foi nunca foi, mas é na sua cabeça e na nossa, o Belarmino boxeur que nunca perdeu um combate apesar da fome e da constante procura da sobrevivência e subsistência da sua família.

É um filme que aconselho a ver e a rever, acompanhado com a visualização dos extras que neste caso ajudam claramente a uma melhor compreensão dos diferentes níveis estruturais de Belarmino.